Antes de apontarem que ando a precisar de rever a ortografia, leiam ESTE artigo de opinião. Eu já li e só me apetece citar o realizador francês Claude Chabrol: "A estupidez é infinitamente mais fascinante do que a inteligência. A inteligência tem limites, a estupidez não." Para aqueles que não têm tempo ou paciência para o fazer apresento-vos a leitura que fiz.
Em primeiro lugar começo por referir que o artigo foi escrito há cerca de duas semanas pelo Editor de Novas tecnologias da SIC Lourenço Medeiros (LM). O pobre moço principia o seu desabafo ao afirmar que: "acentos (...) deixam o meu teclado circunspecto". Ora, excluindo a possibilidade de o teclado que ele usa ter personalidade própria, estamos perante uma hipálage. Parece-me óbvio, que quando elaboramos um texto para ser lido tenhamos que ter algum cuidado, mas pelo que li, colocar "tracinhos irritantes" nas palavras frita-lhe os neurónios.
Em segundo, LM confessa-se surpreendido pela facilidade com que qualquer americano toma notas no seu computador sem olhar para o teclado. (É impressão minha ou há para aí uns quantos portugueses que também o fazem sem qualquer esforço?) Continuando a comparação com a terra do tio Sam, LM faz referência ao pesadelo em que vivem as crianças portuguesas por serem "obrigadas a perder horas infindáveis a entender regras e excepções da acentuação, quando podiam ocupar o tempo a descobrir outras coisas. O prazer da literatura por exemplo." (Mas para descobrirem o prazer da literatura, as crianças não terão primeiro de perceber aquilo que lêem?)
Avançando um pouco mais, percebemos que LM acredita que "tais sinaizinhos" só fazem perder tempo a quem quer entregar um trabalho, ou então desperdiçar dinheiro nos escritórios à conta dos acentos. Isto no país onde em qualquer cartaz afixado, menu de restaurante e até mesmo nas barras de informação dos canais televisivos podemos encontrar erros graves que deturpam a compreensão do texto devido à acentuação (ou falta dela)!
Levando a argumentação para o terreno que melhor conhece, LM atinge o clímax da sua exposição ao lamentar que os acentos "são o suficiente para baralhar qualquer motor de busca que se preze." (Devo acrescentar que utilizei o Google para pesquisar vários termos com acentos e sem acentos e os resultados foram INVARIAVELMENTE os mesmos!) De seguida, são-nos apresentados os problemas que "o pobre do software tem que tentar distinguir pelo contexto se "cágado" se refere ao animalzinho ou não. Para quem não saiba, o software, por muito útil que seja, tende a ter dificuldades destas." E as crianças que não conhecem nenhuma das palavras não terão a mesma dificuldade em distingui-las se não usarem os acentos? Faz-me lembrar o exemplo dado por Miguel Esteves Cardoso aquando da discussão do acordo ortográfico: "Tens cagado em casa?"
Por fim, LM faz uma breve referência à escrita de sms dizendo que nem vale a pena falar disso pois "os mais novos estão a encarregar-se de tratar do problema sozinhos, por muito que isso possa prejudicar as suas notas nas aulas de português." Se querem a minha sincera opinião como professor de português, nas sms faz sentido que se utilize o menor número possível de caracteres mas LM vê isso como uma vitória da tecnologia nem que os efeitos colaterais sejam desempenhos pouco satisfatórios na disciplina de Língua Portuguesa (e já agora nas outras também, pois os alunos são obrigados a exprimir-se na sua língua materna). É que para se subverter as regras temos em primeiro que as dominar.
Mas LM conclui: "Um grande salto tecnológico, que nunca teremos a coragem colectiva de assumir, era acabar de uma vez com a coisa." Admito que este post teria sido escrito mais rapidamente sem acentos e cedilhas mas em vez de um "salto tecnológico" eu teria feito um assalto linguístico que prejudicaria a sua compreensão.
P.S. - "Oh Lourenco, em substituicao da pica nao preferes uma entrada USB?"
sábado, maio 06, 2006
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5 comentários:
obrigado por te teres dado ao trabalho de ler tamanha quantidade de texto! o homem não gosta de ser português e depois vai de se vingar nos "tracinhos"!
Caro ruimaio.
Este post é extremamente pertinente e apenas demonstra que o senhor editor de parvoíces da sic é uma besta de todo o tamanho.
Ou dito de outra maneira: é apenas mais um medíocre colonizado cultural a vender-nos teorias de que "os américas é que são bons".
Só lamento que o vendedor de colonatos culturais norte americanos não tenha tido a coragem de ir para lá trabalhar na indústria de teclados em vez de nos estar a chatear com idiotices.
Gostava de ver LM a viver na Finlândia ou assim. Isto realmente, é a mesma teoria dos teste com cruzinhas à moda dos restantes países da OCDE. Estúpidos já "nós" somos, obrigadinha.
bom post!
bjs
Musí se dívat, jak se piše na zbytek světa... -> Ele devia ver como se escreve no resto do mundo...
Escrevo português em teclado checo sem precisar de olhar para os botões, é chato estar sempre a mudar a configuração do teclado.
É uma questão de prática: http://en.wikipedia.org/wiki/Touch_typing
Não se perde tempo nenhum em escrever com acentos, e só melhora a compreensão dos textos...
Ao contrário do que a Joana diz, não acho que se deva tirar nenhum, não conheço nenhuma palavra em que este não tenha qualquer significado.
Mas é ela a professora de portugês, não eu. :)
Mudar completamente a escrita para se tornar completamente fonética (problema com a escrita em inglês, é preciso conhecer a palavra antes de saber pronunciar, coisa que esse senhor se esquece) poderia fazer algum sentido, mas perderíamos outra coisa muito importante que me leva a não querer que se mude nada - ou que se mude o menos possível - o contacto com as outras línguas de origem latina. Qualquer um de nós pode ler um texto em castelhano, italiano ou françês e saber pelo menos do que se trata. Se a escrita destas línguas (e da nossa) fosse completamente fonética isso deixaria de ser possível (experimentem ler romeno sem saber o alfabeto deles).
Quanto aos sms Rui, a coisa está a mudar, já são suportadas mensagens maiores e com a escrita t9 não há desculpa de poupar espaço ou tempo. Apenas preguiça...
Saúde!
Jorge: apenas duas coisitas. Em relação ao tirar alguns dos acentos que utilizamos até nem é uma ideia descabida de todo. Principalmente se nos lembrarmos que em português já todos os advérbios de modo levaram (há muito muito tempo) acentos. Sendo assim, acho que poderíamos eliminar (não quer dizer que seja obrigatório fazê-lo) os acentos de palavras como "contemporâneo", "âmbito", ou seja, palavras em que a vogal surge seguida de uma consoante que permite a nasalação (como é óbvio não funcionará em todos os casos) mas deixo essa discussão para os linguistas.
No que diz respeito às sms, a "preguiça" que referiste também poderia ser apelidada de "rapidez" ou "Princípio do menor esforço" de George Kingsley Zipf!
Abraços
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