O Ministro da Presidência Pedro Silva Pereira salvaguarda a recusa da proposta de criminalização do enriquecimento ilícito afirmando que os
"arguidos, que não têm que fazer prova da sua inocência [através da inversão do ónus da prova]".
Pedro Silva Pereira não é ingénuo e quis estancar o debate ao declarar a inconstitucionalidade da medida. Bem sabe que se conseguir arranjar uma lei que iniba, de alguma forma, o combate à criminalização do enriquecimento ilícito se vai agarrar a ela com unhas e dentes para evitar o debate que lhe é completamente desfavorável. Não há margem, ninguém, nem que hipocritamente, se consegue opor a medidas de combate à corrupção. Se o debate, a razão e a opinião pública são desfavoráveis então precisamos de um dogma que substitua a discussão política e pública por uma verdade indiscutível. A certeza com que o Ministro fez a afirmação, reforça a minha convicção de que este precisava urgentemente de um argumento de autoridade que silenciasse o debate. (técnica já muito vista e gasta, especialmente em matéria económica)
O problema, neste caso, é que o dogma é uma mentira...azar dos diabos.
Resumindo e simplificando: o ónus da prova constitui-se como a obrigação de provar determinada alegação ou acusação. Nesse sentido, quem incrimina tem de "fazer" prova de acusação, tem de demonstrar lógica e factualmente que as suas acusações são verdadeiras. Até aqui tudo pacífico, em qualquer argumentação, ou debate podemos ver estas regras implícitas (à excepção das homilias). O problema reside quando é o alvo da acusação que tem de provar que as acusações são falsas, ou seja, em certos casos, considera-se que o acusado está em melhor posição e tem o dever de provar inocência (inversão do ónus da prova).
Pedro Silva Pereira considera esta medida inconstitucional porque diz inverter o ónus da prova, ou seja quem é acusado é que se vê obrigado a provar a sua inocência e não o contrário. Mas isso é falso, porque ao abrigo da quebra do sigilo bancário o Ministério Público tem a prova de como a declaração de rendimentos de indivíduo X não é compatível com os valores apurados através da consulta das contas do mesmo titular. Logo, não há inversão do ónus da prova, porque efectivamente a acusação do Ministério Público é acompanhada da prova do mesmo. O que pode suceder, é o acusado mostrar provas em contrário, em que de facto demonstre que havia rendimentos de outro tipo (heranças, totoloto) que não constituem matéria de enriquecimento ilícito.
Logicamente, pode-se questionar: sendo esses instrumentos legítimos o Ministério Público não deveria ter conhecimento deles? Com certeza, mas cabe ao beneficiário notificar as finanças dos diversos rendimentos, logo, não o fazendo está a ocultar a fonte dos mesmos. Podemos imaginar até uma situação em que, um contribuinte, para se esquivar a impostos acaba por incorrer em crime de enriquecimento ilícito, naturalmente que, perante a maior gravidade do crime, irá tentar provar que os rendimentos são de fonte legítima e apenas ser penalizado for fuga fiscal.
Mesmo que houvesse inversão do ónus da prova, convém lembrar que esse é praticamente um princípio basilar em matéria de finanças. Repare-se que todos os portugueses são obrigados a declarar o que recebem, ou seja, não se limitam a pagar impostos e depois as finanças (por artes mágicas) a adivinhar se esses impostos estão em consonância com os rendimentos. Curiosamente, existe uma
"indignação selectiva", já que ninguém levantou problemas quando a
"Segurança Social passou a exigir o acesso às contas de todos os candidatos ao Rendimento Social de Inserção ou Complemento Social de Idosos."E naturalmente terá de ser assim, porque, caso contrário, como poderiam as finanças ter matéria para actuar?
As resistências do PS nesta matéria são o pior sinal, não transmitindo confiança aos portugueses e alimentando um clima de suspeição.